domingo, 20 de novembro de 2011

"A Noite Do Cemitério" - António Feliciano De Castilho

Un cemetière aux champs !
Quel tableau | quel trèsor !
(LERGOUVÊ. La Mélancolie)

Neste lugar solitário
Que faz mais saudosa a noite,
Quero que ao mundo fugido
O meu coração se acoite.
Enquanto o silêncio umbroso
Envolve o meu hemisfério,
Venho sentar-me sozinho
Da morte no ermo império.
…………………………..
A noite reina; já tudo
Dorme na próxima aldeia;
A imensidade do espaço
Se aclara co..a lua cheia.
……………………………
Já na terra se descrevem
Os vastos, fendidos muros;
Já pelo chão se retractam
Longos ciprestes escuros.
Enquanto aos ciprestes esguios troncos
Altos espectros se abraçam,
Ou com mil formas terríveis
Ante mim calados passam,
Enquanto larvas aéreas
Ao luar sentar-se vão,
Além, de escalvados crânios
Sobre terrível montão;
Nestas ervas recostado,
Neste deserto profundo,
Conversei c..os finados,
Filhos outrora do Mundo.
Aqui onde há pouco a terra
Parece que foi volvida,
Que humano dorme? Que humano
Saiu há pouco da vida?
Em nome dos céus responde;
Abre a terra; a pouco e pouco
Se levanta; a voz desprende
Do peito gelado e rouco.
Quem és? Não temo; declara:
Avança, tudo aqui dorme.
Olha em torno tudo é noite;
Avança fantasma enorme.
Vem-te assentar ao meu lado,
Aumenta-me o meu terror;
De tuas compridas roupas
Que importa o medonho alvor?
Nem teu olhar agoireiro?
Nem teus vagarosos pés?
Nem tuas mãos descarnadas?
Nem tua palidez?
Mas que som se escuta ao longe!
Os galos cantam na aldeia,
Os galos? Vai pois a noite
Apenas correndo em meia.
……………………………….
Porque pois de mim te afastas,
Fantasma? Porque te esvais?
Deixou-me; somente escuto
Ao longe seus frouxos ais.
Tornou-se ao perpétuo leito,
Dorme no seio do nada,
Ante meus pés, nesta terra
Recentemente cavada.
Mas quem é?... Não, não me engano:
A última que aqui veio,
Foi tenra, inocente virgem,
Trança escura e branco seio.
Por pouco que a minha dextra
Este terreno escavasse,
Daria co..as mãos unidas
Tocaria a fria face.
Outrora Ninfa entre os homens,
Outrora os passos movia,
Era das festas a glória,
Dançava, cantava e ria.
De amores lisonjeiros
Vivia sempre cercada,
Com descantes amorosos
Era à noite acalentada.
Agora dorme esquecida,
Agora, já não é bela,
Ninguém celebra o seu nome,
Ninguém suspira por ela.
……………………………….
Tudo o que é belo entre os homens,
Aqui recebe a impressão
De afectos tristes, mas doces,
Bem doces ao coração.
Tudo o que é belo entre os homens
Aqui é belo, mas triste;
Todo o prazer neste sítio
Todo em lágrimas consiste.

……………………………….

Sem comentários:

Enviar um comentário